O Brasil é
uma grande país que vive deitado eternamente em berço esplêndido sob o azul do
céu profundo. Talvez seja por isso que vivamos uma vida acomodada, pacata,
condicionada, alienada. Pelo refrão de nosso hino nacional, se pode pensar, que
o Brasil seja um paraíso. Onde vivemos em paz, tranquilidade para sempre sob a
nossa bandeira verde e amarela, que tremula em nossos céus e de onde, lá do
alto, se lê o nosso lema Ordem e Progresso.
O Brasil é
um paraíso. Vivemos nossa miséria de olhos tapados e quietos. Visto que temos
algo que impede de ver os nossos defeitos, nada melhor poderia aparecer para o
Brasil que uma serpente. Uma serpente que chegasse no pé de ouvido da primeira
brasileira que passasse e dissesse: sei onde há uma árvore que lhe abrirá os
olhos e fa-lhe-á entender o bem e o mal. Basta ir lá e comer sua fruta. A quem
a mulher responderia:
— Mas desta árvore disse o presidente que não
podemos comer pois que se a comermos seremos deportados e perderemos a nossa cidadania
e seremos expulsos do paraíso.
Porém, a
serpente astuta e boa de lábia não se calaria e abriria sua boca e convenceria
a mulher a comer da fruta daquela árvore e a faria esfregar a fruta, ainda
morna e úmida nas ventas de seu homem e
ele a comeria e então os dois teriam os olhos abertos, e se veriam iguais aos
homens que por tanto tempo privaram os brasileiros e brasileiras da fruta. E o Brasil viraria um frutal, onde
haveria um come-come sem igual. Todo brasileiro e brasileira comendo a fruta e
todo mundo ficando de olhos abertos.
O Brasil é
terra de muitas frutas. Há de tudo. Desde o cupuaçu da Amazônia que os
japoneses patentearam, dizem, à pitomba, ao itaperebá, ao caju, ao limão, ao ingá, à
bacaba e ao abiu. Mas nenhuma dessas frutas abririam os olhos brasílicos. Por
isso os brasileiros podem comer cupuaçú e açaí à vontade. A fruta proibida é aquela
que abre os olhos. E o povo não pode ter os olhos abertos. Povo tem que ter
olho fechado. É uma ordem divina. E disse Deus, do fruto da árvore do
conhecimento não deves comer. E proibiu ainda, a comer a fruta que nascia na
árvore da vida. Essa árvore dava frutas que serviam de antídoto ao veneno da
sabedoria. Deus sacana, este. E para proteger a árvore colocou um anjo com uma
espada.
O sistema de
educação no Brasil proíbe aos alunos a comerem da árvore do conhecimento do bem
e do mal e também da árvore da vida. A ordem vem deles. Aqueles que não querem
que o povo se lhes iguale – os políticos, os designers da educação, os
sacerdotes do sistema financeiro e os herdeiros dos coronéis de barranco, da
borracha, do mate, da cana, do fumo, os barões do café, os reis do gado e
aqueles que têm direito à celas especial nas prisões do País.
Por isso os
brasileiros excluídos do banquete da fruta, nunca ouviram falar de doutrinas
como ecologia profunda, ecofeminismo, ecologia social, ecojustiça,
biorregionalismo e outras. A ecologia profunda pede que se mude o foco de uma
exploração antropocêntrica para uma convivência ecocêntrica. O ecofeminismo é o
movimento de mulheres e homens que se saciaram
na fruta e que creditam aos machos todas as mazelas do mundo, da pobreza
à exploração, das guerras à crise social, ao modelo patriarcal de dominação da
mulher. Da natureza. Dos filhos. E de tudo.
A ecologia
social critica toda espécie de ordem hierárquica e de dominação quer seja de
classe, raça ou gênero. Fazem isso por meio da crítica à acumulação de capital
e do lucro como único valor no mundo. Já o movimento pela eco-justiça ou
justiça ambiental se interessa pelas ligações que há entre a pobreza, o racismo
e a dominação da natureza, seus recursos e das populações.
E o biorregionalismo? Todo estudante nas escolas recebe informações por meio da educação ambiental de que existe algo chamado habitats naturais, espécies exóticas e que cada região do Planeta tem suas próprias espécies. Assim aprendem, mais ou menos, que o Brasil, por exemplo, não tem elefante ou canguru. Têm uma ideia razoável de que o gato é doméstico e que pertence a uma família de gatos e que entre esses gatos há onças, leopardos, tigres. Mas à vezes fica difícil para que identifiquem uma onça caso veja uma. Chovem os exemplos de crianças que ao verem uma onça a chamam de bicho ou leão.
O biorregionalismo quer muito mais que isso. Exige uma mudança na abordagem política e econômica convencional às regiões diferentes. Hoje mesmo no Brasil, os brasileiros que comeram a fruta e trabalham para assegurar que a maioria fique excluída, escrevem em suas revistas enormes artigos louvando a sabedoria brasileira em transformar o Brasil inteiro em um imenso sojal. E os brasileiros excluídos da fruta do conhecimento, não se perguntam se é normal e natural que a soja seja disseminada para todo o Brasil. Do Rio Grande do Sul ao Piauí. Pelo contrário, acompanham de seus barracos, ou mansões, as notícias de que os imprestáveis cerrados estão produzindo para a economia brasileira gerando o milagre: nestas terras tudo o que se plante produz superávit.
Ecofeminismo - Em
português e na maioria das línguas, mesmo aquelas que não dão muita atenção ao
gênero da maioria das palavras, há palavras que exigem o feminino. São as
palavras que identificam a fêmea. Pois não poderia ser de outra forma. Por
exemplo, o feminino de galo é galinha. E o feminino de cavalo é égua. Quase palavras
diferentes. No mundo patriarcal, onde quem manda é o homem nem a língua está
isenta dos preconceitos de gênero.
Um
caso grave tão bem injetado nas nossas veias é a palavra “patrimônio”. Ora
patrimônio não quer dizer posse. Patrimônio são aquelas coisas materiais que o
pai deixa para os filhos, filhas e descendentes como “herança”. E a palavra
patrimônio tem feminino: matrimônio. Assim sendo, matrimônio deveria ser a
herança que a mãe ou matriarca deixa para os seus, ou suas descendentes. As
posses que a mãe deixa como herança.
Mas, ao longo da estrada em que a cultura se formou, o homem tomou para si todo o poder da terra e decidiu que “matrimônio” de mulher – é o casamento. Por isso, em todas as civilizações machistas, o grande alvo da mulher é casar. O seu marido é seu matrimônio – ou seja patrimônio. Depois os filhos, a cozinha, a casa, a igreja. E até hoje o desvio da palavra matrimônio não foi consertado. Falamos de Patrimônio Mundial ou de Patrimônio Nacional que são heranças deixadas pela cultura, pela arte, pela natureza como herança.
Deveriam ser Matrimônios Mundiais, Culturais e Artísticos porque foram deixados pela arte, cultura e natureza – as três gramaticalmente femininas. E não serão femininas também em princípio e essência?
Muita
gente não sabe porque as feministas chamam os homens de chauvinistas. A
resposta é: por isso mesmo. Chauvinista é aquele ser extremamente patriótico,
fanático, cego, ou aquele que demonstra excessivo entusiasmo pelas glórias
militares. [1]
Outros dicionários acrescentam, “crença preconceituosa na superioridade de seu
próprio gênero, grupo ou espécie”. Neste segundo significado, temos a palavra
“gênero” no atributo do chauvinsimo.
O
homem se crê superior à mulher. O homem se autodenominou sexo forte. Criou deus.
E fez deus à sua imagem. Por isso deus é macho. A mulher é sexo frágil. Platão,
ninguém é perfeito, disse: “Agradeço a Deus por ter nascido grego e não
bárbaro, homem livre e não escravo, homem e não mulher...” [2]
Vemos aí o orgulho chauvinista de nacionalidade (grego / bárbaro), de classe (homem
livre / escravo) e gênero (homem / mulher).
Depois de criar deus à sua imagem, forte,
macho, excludente, manipulador, irritado, invejoso, ciumento, guerreiro, o
homem ainda caluniou o deus criado de ser o autor de suas leis. O homem criou
muitos códigos e muitas leis. Desde o código de Hamurabi, à Lei Mosaica,
Direito Romano, Islâmico, Inglês até os direitos do dia de hoje. Só pode ter
sido homem quem escreveu:
“Quando houver moça virgem, desposada com
algum homem e um homem a achar na cidade e se deitar com ela,...então trareis ambos à porta da cidade e
os apedrejareis, até que morram; a moça porque não gritou e o homem porque
humilhou a mulher do próximo...” (Deuteronômio 22;23, 24)
Ou então a Lei do Ciúme. Se um homem se levanta
de manhã e suspeita que a mulher o traiu, se deitou com outro, se contaminou
com outro, ele a levará ao sacerdote no templo. Após pagar o que é devido, o
sacerdote se encarrega de resolver o assunto. Primeiro ela pega água sagrada – parecido com água
benta, e depois de varrer o chão do tabernáculo, pega aquele pó e joga na água. Em
seguida pede que a mulher beba a mistura sem medo. Se ela for inocente, nada
acontecerá. Mas se ela for culpada, a água dilacerará seu ventre, fará inchar a
barriga, consumir sua coxa e trará outros consequências podendo levá-la à morte. Mas antes de morrer,
ela será alvo de toda a maldade do povo, estará à disposição do julgamento e da diversão
doentia de toda a população. (Números 5).
© Jackson Lima